QUERIDA KONBINI: A PRESSÃO SOCIAL DE SER QUEM VOCÊ NÃO É


     


    Olá leitores! O texto de hoje é sobre o livro “Querida Kombini” da Sayaka Murata, publicado pela Editora Liberdade. 

Comecei esse livro sem saber muito bem a história e sinceramente depois que terminei continuo na dúvida, porque ele é bem simples, não tem nada demais, e mesmo assim foi suficiente para levantar uma questão pouco discutida: nós não levamos a vida da forma que gostaríamos, tudo o que fazemos são para suprir as expectativas das outras pessoas. O livro quebra essa expectativa com a protagonista Keiko Fukura; ela é vista como estranha, porque e faz o que quer, quando quer, da forma que quer, e não há problema nenhum nisso, apenas que Keiko é a única que pensa assim. 

"Aos trinta e seis, Keiko nunca se envolveu romanticamente e, desde os dezoito, trabalha em uma konbini [loja de conveniência] — todos a sua volta insistem que ela precisa arranjar um trabalho sério ou, pior ainda, um marido. Deslocada desde a infância, Keiko encontra no universo da loja de conveniência, com regras estritas para os funcionários e uma dinâmica precisa de funcionamento, o seu lugar no mundo".

A história é essa: uma personagem apaixonada por trabalhar em uma konbini, pois é o único lugar em que ela se sente bem. No livro é apresentado que desde pequena ela é tratada como uma estranha, pelos pais, pelos amigos e professores e é levada ao médico por ser diferente. E não tem nada de errado com ela. Em um momento de sua infância, quando estava no parque, encontrou um passarinho morto e imediatamente levou para sua mãe com a sugestão de que comessem ele no jantar. Ela entrou em choque e automaticamente Keiko pensou que fosse porque um só não seria suficiente para quatro pessoas, e novamente foi repreendida pela mãe: 

“ — Mas por quê? Ele já morreu, mesmo! É melhor aproveitarmos. Minha mãe ficou sem palavras. Na minha mente eu via o meu pai, minha mãe e minha irmã, que era pequena, comendo alegremente o passarinho. Meu pai gostava de espetinho, eu e minha mãe gostávamos de frango frito… Havia tantos passarinhos naquele parque, a gente podia levar um monte! Eu não entendia o propósito de enterrar o bicho em vez de o comermos.”

O livro todo Keiko trata a vida com essa naturalidade e essa objetividade, não comer um passarinho é um pacto social de não fazer, mas ninguém reclama em comer frango frito; é tratado como absurdo quando algumas pessoas comem cachorro, mas outros animais tudo bem. O porquê? A sociedade concordou que seria assim, sem nenhuma consulta popular, a conduta social foi aprovada por consenso e aceita costumariamente. Exemplos, biquinis e roupas de baixo são a mesma coisa, se você for a praia de biquini ninguém reclama, mas testa ir de sutiã e calcinha; todo mundo te avisa a vida toda que você tem que arranjar um trabalho e é até ok o seu primeiro emprego ser em uma loja de conveniência, mas pela vida toda não. E porque não, sendo que era disso que as pessoas falavam o tempo todo?  A cabeça de Keiko é assim, simples, nós “normais" que complicamos a vida toda. 

A personagem perto de outras pessoas finge ser quem não é: copia o modo de andar, as roupas usadas, a forma de sorrir e se tem um relacionamento ou não. Quando faz isso, os pais a irmã e os amigos elogiam, e se aproximam dela, porque é o mais normal que ela consegue ser. Só que ela não é dessa forma, a verdadeira Keiko, é a funcionária da konbini, ela e a loja de conveniência são uma coisa só. 

“A Voz da konbini continuava chegando aos meus ouvidos. Eu era invadida pela imagem de como a konbini desejava ser, e sabia tudo o que ela precisava naquele momento. Não era eu quem estava falando, era a própria konbini. Eu não passava de um oráculo, transmitindo o que me era revelado” 

A partir do momento em que ela decide ser o que as pessoas querem, ela se torna infeliz e deslocada, e esse é um sentimento comum hoje em dia e por isso refleti bastante sobre o assunto. A vida seria bem mais simples se algumas decisões fossem tomadas pensando no bem estar e não "o que será que as pessoas vão pensar?". 

    Ao assistir e ler resenhas sobre Querida Konbini uma opinião popular que surge é: “talvez a Keiko seja autista”. Concordo, é uma possibilidade; porém por que pra Keiko ser aceita e legitimada como a personagem que ela é, há a necessidade de atribuir a característica de “não normal” ? Ela é tão normal quanto você lendo isso aqui, a única diferença é que ela faz o que realmente quer, não vê como necessidade suprir as expectativas de outra pessoa para ser feliz, ou se encaixar no que nos é comunicado que é o normal, o padrão. Ela é assim, porque ela É. Ponto final. 

“ — Eu compreendi tudo. É que, ainda antes da minha condição de ser humano, sou uma funcionária de konbini. Não posso fugir dessa realidade, mesmo que isso faça de mim um ser humano degenerado, mesmo que assim eu termine morta de fome na sarjeta. Todas as minhas células existem em função da konbini — insisti” 

A felicidade da personagem vem da konbini, tudo o que ela promove é suficiente. Essa história me deixou pensativa e me questionei muito se faço o que as pessoas esperam de mim, ou se faço o que me faz bem,  e cheguei apenas na conclusão que venero a Keiko pela coragem. 



Murata, Sayaka, 1979. Querida Konbini; tradução Rita Kohl. São Paulo. Estação Liberdade, 2019. 


Comentários

  1. Meeeeu Deus...
    Só o fato dela supostamente ser autista por "não ser normal" já me deu um choque...
    Mas como uma situação simples incomoda o "senso comum" né?
    Amando tudo desse blog ❤

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  2. Preciso ler esse livro!!! Essa parte do passarinho... já estou imaginando como utilizar isso em uma redação sobre a cultura carnívora. Confesso que eu me pego fazendo coisas só para agradar aos outros, mas sempre que tento fazer algo pensando apenas em mim eu sinto algo tão bom, é uma liberdade! Amei essa personagem!!!

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  3. Discussão muito importante pra nossa saúde mental, principalmente nos dias atuais.
    Parabéns pelo texto :)

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  4. amei o textoooo!! fiquei curioso demais pra ler todo o livro agora

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